sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O pozinho milagroso


Os técnicos são incríveis. Para ganhar os jogos, impor seus estilos e métodos, conhecimentos e tudo mais eles usam de cada artimanha que é difícil a gente entender como alguns se destacam, mesmo sabendo pouco de Futebol.  Muitas vezes não têm nem a capacidade dos torcedores. Não sou eu que afirmo. São jogadores que revelam: “Tem cada mentiroso por aí”.  Quando era menino, lembro do Juquita, que dirigia os times considerados pequenos do Futebol mineiro, especialmente os do interior. Ele levava sempre dez bolas para o campo e quando suas equipes tinha a vantagem, ficava jogando bolas dentro de gramado para esfriar o jogo. Muitas vezes obteve sucesso. Tivemos o 13 do Zagallo, os macumbeiros como Joel Santana – a lista é extensa; os que apostam em suas crenças religiosas, como Jorginho, aquele que foi lateral do Flamengo; assistente de Dunga na Seleção Brasileira e que já dirigiu algumas equipes com bons resultados; os que tentam impor no estilo de vestir, como Vanderlei Luxemburgo – foi o primeiro brasileiro a usar o terno à beira do gramado; outros, nas broncas e questionamentos aos jornalistas, como Emerson Leão, impressionando seus jogadores, que imediatamente exaltam nas conversas: “Vocês viram como o professor acabou com aquele jornalista”. Há os moralistas, afinal são os chefes e não podem vacilar; os puritanos, os criadores de filosofias etc. Tem de tudo. Até o que você pensou, também tem. E como tem.

No Futebol mineiro, nos Anos 60, Mário Celso de Abreu era o técnico de ponta. Formado em Educação Física e considerado estrategista. Foi durante algum tempo o mais cobiçado. Não teve a projeção de Telê Santana, Carlos Alberto Silva, Martim Francisco e outros, mas comandou a Seleção Brasileira nos Jogos Olímpicos de 1968, no México. Era amigo de João Havelange, na época presidente da CBD – antiga Confederação Brasileira de Futebol. Marão, como era chamado, usava suas artimanhas e impressionava. Um dia revelou que Futebol não tem nada de 4-4-2, 3-5-2, etc. Para ele, são todos defendendo e atacando. “Começou assim e vai terminar assim”. Sentiu-se poderoso quando criou o quadrado no Cruzeiro, com Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes e Tostão. Depois disseram que o técnico que adotou pela primeira vez o esquema, com os quatro, foi Ayrton Moreira. Marão trabalhou também no Atlético, por mais de uma vez; Renascença, Villa Nova, Usipa (onde fez o melhor trabalho no interior) e, em outros estados, mas jamais apareceu num time de ponta do Rio ou de São Paulo. Morreu no final do ano passado.

No seu auge, falava-se muito de doping e como não havia os exames após os jogos – os clubes não tinham recursos para cobrir as despesas com os exames – Marão aproveitou da situação. Quando os times corriam muito, o questionamento era imediato: claro que  é doping. Na época, não havia ainda os preparadores físicos contratados pelos clubes. Os técnicos que faziam todo o trabalho. Paulo Benigno e Fernando Grosso foram os precursores em Minas.  Então como efeito psicológico para seus times, antes dos jogos, Marão obrigava que seus jogadores tomassem um suco de abacaxi. Tinha dificuldades, porque alguns não aceitavam com o argumento de que não gostavam da fruta. Outros, porque suspeitavam que era o doping. O técnico misturava um pó branco com o suco, que ficava visível no fundo dos copos. Os comandados ficavam intrigados. O técnico tinha sempre uma resposta na ponta da língua quando questionado por eles: é para que vocês possam correr mais. E dava resultado, porque muitos entendiam como um energético – às vezes até doping, e corriam de um lado para o outro como estivessem realmente sob efeito de alguma substância.  Um dia o material foi recolhido para análise. Ele estava dirigindo o rival e todos sabiam do tal suco. Só que os testes constataram que não havia nenhuma substância que poderia ser identificada como doping. Marão gostou. Mais tarde, revelou: ”Era farinha de trigo. Usa apenas como efeito psicológico e dava resultados”.  

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