sábado, 19 de setembro de 2015

Histórias do esporte – Nuzman reclama e Henrique Bassi diz: “Pode ir embora”

                         


Em 1984, contrariando a todos os prognósticos, já que os times do Rio e de São Paulo, especialmente Atlântica Boa Vista e Pirelli (formavam a Seleção Brasileira) eram os favoritos para a conquista do Campeonato Brasileiro de Vôlei, o Minas Tênis Clube, com o apoio da Fiat Automóveis, fez uma equipe poderosa. Possivelmente a melhor geração de todos os tempos do vôlei mineiro e assustou o País. No primeiro jogo da decisão do título, no Mineirinho, vitória mineira: 3 a 1, na Atlântica Boa Vista. No segundo jogo, no Rio (era melhor de três), com mais de 20 mil pessoas no Maracanãzinho, os cariocas venceram por 3 a 0. Bernard fazia seu show, com a Jornada nas Estrelas. Sacava e a bola ia quase ao teto para cair no campo do adversário. Mas  na negra (terceiro jogo) lá estava Henrique Bassi para fazer a recepção perfeita e colocar sua equipe no jogo. O atacante carioca usava esta jogada para tentar desmoralizar os adversários. Mas contra o Minas TC, naquela noite, no set final deu tudo errado. No comando do técnico coreano Young Wan Sohn no banco e de Pelé na quadra, o Fiat-Minas cresceu, seguindo uma única frase do comandante: “Eles são homens como vocês e não são superiores”. Com mais de três horas de jogo, já entrando pela madrugada, o Fiat-Minas virou para 3 a 2 (perdia por 2 a 0) e partiu para a festa. Os jogadores pegaram o troféu e ficaram comemorando, correndo pela quadra (foto Zé Eduardo, Henrique Bassi, Pelé e Elberto), enquanto os adversários perdidos, totalmente sem saber por que eram os derrotados. Estavam certos do título. Os mineiros silenciaram o Maracanãzinho. Foi uma noite histórica. Melhor ainda quando o então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei, Carlos Arthur Nuzman, chamou o capitão Henrique Bassi e ordenou: “É melhor vocês se posicionarem para a cerimônia de premiação. Eu preciso ir embora”. A resposta de Henrique veio na medida: “Se você está com pressa pode ir. Nós não. Vamos comemorar”. Nuzman insistiu e Henrique deu a palavra final: “Podemos fazer a premiação sem você”.  O dirigente esperou, mas deu também sua resposta a Henrique. Jamais foi convocado para a Seleção Brasileira, mesmo tendo sido um craque. Um dos maiores da história do vôlei, pela técnica apurada e uma impulsão privilegiada para os 1,76 de altura.


(Revelações de Carlos Eduardo Guilherme, o Pacome, assistente do técnico Sohn)

"Recordo-me como se fosse hoje desse episódio. Assim que acabou o jogo, após exaustiva comemoração de nossa equipe, o Nuzman entrou na quadra e, de forma agressiva e grosseira, determinou ao Newton Leibnitz, famoso ex-árbitro de voleibol, conhecido por Chapinha, responsável pelo cerimonial de premiação, que providenciasse o mais rápido possível a entrega das medalhas. Quando, também de forma hostil, o Henrique respondeu à altura: “Pode ir embora que nós iremos fazer a premiação sem a sua presença”. Eu estava do lado do Henrique e presenciei tudo.
Na verdade, havia nos bastidores um interesse muito grande para que a equipe da Atlântica Boavista saísse vencedora daquela competição, pois, conforme fora veiculado na impressa carioca na ocasião, o Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, dono do grupo financeiro, iria investir milhões de dólares em um complexo esportivo no RJ se a equipe carioca fosse campeã. A despeito de nossa vontade, o projeto não saiu do papel. O gerente seria o Bebeto de Freitas. 
Acontece muita coisa nos bastidores do esporte que o público não fica sabendo. É oportuno registrar um fato que alterou toda a história dessa inesquecível decisão e, quem sabe, de toda a trajetória do voleibol mineiro: no trajeto para o ginásio, no ônibus da delegação, o Luiz Eymard, que estava sentado atrás do meu banco, chamou-me educadamente e disse: “Pacome, posso dar-lhe uma sugestão: nós já perdemos o segundo jogo por 3x0. O que você acha de alterar a rotação da equipe para confundir o adversário, se, por ventura, eles começarem ganhando o jogo?”. Confesso que não dei atenção ao que ele disse. Quando o jogo estava 2x0 para o adversário, com o Bernard dando o famoso saque “Jornada nas Estrelas”, lembrei-me do que o ele me dissera e, atendendo à sua sugestão, alterei o rodízio. Fiz dois rodízios para frente, conforme ele sugeriu, sem alterar a armação da equipe. Os atletas ficaram surpresos, mas aceitaram bem a mudança tática. Chamei a responsabilidade para mim. Fiz a mudança e não consultei o Sohn, pois dispunha de apenas dois minutos para entregar a papeleta de colocação ao segundo árbitro e não havia tempo suficiente discutir a mudança.  Foi, sem dúvida, a grande “sacada” do jogo. A partir daí o jogo mudou radicalmente, pois antes a rede estava “casada” com a do adversário. Essa alteração tática sugerida pelo Luiz Eymard foi a responsável pela virada mais espetacular do voleibol brasileiro e quiçá do mundo ".




6 comentários:

  1. Era criança nestes tempos. Era maravilhoso ver MG colocando os soberbos cariocas e paulistas no bolso. A próposito Melane, de um comentário meu em um post anterior ; naquele tempo podia se falar o nome da empresas patrocinadoras, Pirreli, Atlantica Boa Vista, Fiat.. o que mudou de lá pra cá? Edgardo

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  2. Outra coisa. Young Wan Sohn grande treinador e dono de métodos revolucionários de treinamento para aquela época, chegou a ser treinador da Seleção Brasileira. De lá foi praticamente escorraçado pela panelinha RJ/SP liderados por Xandó, Bernard, Willian etc.. que não aceitavam sua metodologia além de não engolirem nomes como Pelé e Elberto entre eles. Pelo visto, a soberba, a aversão e até xenofobia que existe no futebol quando se fala em um técnico de fora para a selecão, ou mesmo a naturalização de um gringo para jogar com a gente já vem desde os tempos da geração de prata do volei. Edgardo

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  3. Edgardo
    Vamos por parte. Primeiramente todas estas empresas publicavam páginas inteiras de anúncios nos principais jornais e o nome não era liberado para as publicações nas páginas de esportes. As TV e Rádios também levavam suas cotas. Agora, realmente o Sohn foi muito discriminado. Foi derrubado pelas empresas e teve problemas para manter nossos melhores jogadores na Seleção. O Nuzman sempre dizia, pelo que depois me relevou o Sohn, este não. E só não conseguiu levar o Henrique, que era um líder e também muito preparado como atleta e culturalmente.Formado no Célio Santo Antônio.

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  4. Sohn foi derrubado pelas estrelas da época, Renan, Xandó, Fernandão, Bernard e outros.

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  5. Os nomes das empresas eram liberados para publicações nas páginas de esportes. Por esta razão, não eram censurados.

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  6. Melane, esse momento foi histórico mesmo. Acabei de contar esse momento para meus filhos. Estava lá e vivi cada emoção. Tem um outro detalhe importante. Vc se lembra que não foi feita a foto tradicional de campeão antes do jogo? O time perfilado no fundo da quadra aguardando finalizarem essa imagem foi outro registro histórico. Em tempo. Essa foto que ilustra esse ótimo artigo deve ser do bi ou tri campeonato. O primeiro foi vencido com uma camisa branca letrada de azul da Le Coq Sportif! Valeu! Abraços, Sergio Bara (irmão do Zé Eduardo!)

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